Que amar continue sendo legal nos nossos setenta e poucos
O cenário e a conjuntura até mudam, mas o tema não muda nunca. Até porque esse blog fala mais sobre amor do que sobre javalis. Hoje tô querida (dilma)is, Brasil.
Um beijo pros senhorezinhos e senhorazinhas do mundo.
VCS SÃO FOFOS
Basta te amar
Levantei da cadeira da sala de jantar. Olhei, por cima dos óculos que regulavam a vista cansada, a nuvem de cabelos brancos que eram bagunçados por dedos finos e enrugados. Me apaixonei.
Enquanto, com uma fralda de pano, limpava as migalhas de pão da boca, contemplei a obra divina com quem me casei. Me apaixonei.
Matei a vontade de comer sopa. Raspei a tigela marrom, sendo observado atentamente pela artista que sentava do outro lado da mesa. ''Tá gostoso?'' perguntou com a voz tremelicando. ''Tá muito gostoso''. Beijei as mãozinhas. Me apaixonei.
Deitei na cama ortopédica, esperando Joana. Quando ela se deitou, ainda com toda a delicadeza que tinha desde a juventude, fiz o mesmo que fazia todas as noites. Beijei a bochecha gelada; segurei a mão direita com a esquerda; rezei baixinho pro tempo me conservar apaixonado; dormimos.
Levantei cedo, como de costume. Fui para o portão principal da escola pública que me formei, como de costume. Vi as crianças e adolescentes entrarem ruidosamente, como de costume. Peguei o papel no bolso da camisa, como de costume. Com a mesma caneta e a mesma caligrafia, escrevi o mesmo bilhete que escrevia há exatos 53 anos.
Perdi a vista na rua, a mesma que a vi da primeira vez, correndo atrasada de saia azul marinho. Me apaixonei, de novo e mais uma vez.
Comprei pão, leite, bolo de laranja e broa. Abri a porta de casa, arrumei a mesa do café, sentamos juntos e comemos juntos. Como fazíamos todos os dias. Me apaixonei.
Me tranquei no quarto, sentei na cama, e tirei do bolso no peito o bilhete que memorizara.
" Vida.
É amar todos os dias
nossa rotina.
Ar.
É poder te olhar,
te abraçar
e saber
que de eterno no mundo
nada é -
exceto te amar
do fio de cabelo
até a ponta do pé.
Água.
Que me trouxe você,
quando era difícil até
respirar. "
Apertei o bilhete contra o peito, e guardei na gaveta de meias. Pra ela achar, todos os dias, antes dormir.
Maria Teresa Gonçalves
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